A novela Avenida Brasil está fazendo enorme sucesso, mas
uma pergunta paira no ar tanto para muitos telespectadores quanto para mim. Quem
é a vilã dessa história? Ou melhor, nesta trama existe uma vilã? A história até
agora prossegue sem que se saiba exatamente distinguir as más das boazinhas.
Emanuel Carneiro é mestre nessa estratégia. As personagens do bem e do mal, de
início, não são bem delineadas. Lembremo-nos de A favorita. Outros autores já
construíram diversos tipos de vilãs, como por exemplo, as cômicas, que nos fazem
rir, como Teresa Cristina em Fina Estampa, do magnífico Agnaldo Silva. Quem
poderia gostar de Teresa Cristina? Nem os próprios filhos. Apenas o mordomo
servil que conquistou o público por ser absolutamente identificado com a
feminilidade de sua patroa, e para quem ela deixou a maior parte de sua
herança.
Em Avenida Brasil o mal está presente sem a menor sombra
de dúvida e até agora parece concentrar-se na figura de Carminha. Mas, como me
disse um motorista de taxi, Nina faz mal a todo mundo que tem por ela um
sentimento de amor. Ela não pode ser a personagem boa da novela, mesmo que no
final consiga provar que a malévola Carminha é um lobo em pele de cordeiro, vai
ser difícil Nina mostrar ter trilhado o caminho do bem.
Nina, Carminha, Monalisa, Zezé, Jana, Muricy, Ivana,
Noêmia, Alexia, Verônica, mãe Lucinda, Suelen, Olenka, Tessália e as meninas
Ágata e Paloma, formam um conjunto diversificado de mulheres entre homens
perversos, com exceção do maravilhoso e ingênuo Tufão, que só perde em
ingenuidade para o jogador que não marcou o pênalti do final do campeonato de
1950, o namorado de Muricy. Ah, e o time de futebol inteiro do Divino, inclusive
o que se tornará marido de Suelen, a Maria chuteira, para encobrir sua
homossexualidade, é feito de jovens “naturalmente” bons, ingênuos e vivendo para
um sonho maior do que apenas obter riqueza e ostentação.
Os personagens da novela – talvez com exceção de uma das
mulheres de Cadinho, Alexia, de família rica decadente – subiram na vida,
inclusive todas as empregadas domésticas da trama, mesmo a Zezé que mora em uma
comunidade, com exceção de Nina, fazem parte da nova “classe C”, ou da nova
classe média. A maioria caminha na corda bamba sem distinguir o bem do
mal.
Se João Emanuel Carneiro teve a intenção de tratar de um
tema tão atual conseguiu e, mais ainda, descreveu um Rio de Janeiro de hoje,
como fazia Nelson Rodrigues nos anos de 1950 na sua famosa coluna A vida como
ela é. Nelson Rodrigues era cronista de futebol e também retratava os jogadores
deforma atavicamente boa. A história de Avenida Brasil se passa em torno de um
personagem tão real quanto um Garrincha ou um Romário. A vida na “mansão” é um
resumo das vidas de muitos desses jogadores e da nova classe média com pouco
estudo e muito acesso ao crédito e ao consumo. Uma casa cheia de empregadas, de
pequenas tragédias e muita intimidade. Personagens vilãs que não são vilãs e
boas que podem virar más estão ali para nos fazer pensar sobre a vida como ela é
hoje, ou como parece ser.
Novela é coisa séria, afinal, grandes escritores
escreveram histórias em capítulos, lidas diariamente e acompanhadas com muita
ansiedade no chamado romance de folhetim. No século XIX, neste gênero , no qual
brilharam Joaquim Manoel de Macedo, Machado de Assis e José de Alencar, os
capítulos eram publicados no pé de página dos periódicos. Assim como as novelas
de hoje, prendiam os leitores com um vertiginoso transcorrer de acontecimentos
que retratavam a nova vida das cidades. Os dramas de então certamente eram
diversos, mas os caminhos para o leitor ou o ouvinte se prenderem à história
continuam os mesmos.
Como no folhetim, a vida brasileira está presente nas
novelas, e os dilemas morais da nossa sociedade são vividos pelas heroínas da
história, tanto hoje quanto no século XIX. O romance de folhetim e a novela
apresentam dramas humanos, dos mais inquietantes e agonísticos, aos mais
frívolos e cotidianos. Em Avenida Brasil, que os brasileiros seguem com o
coração na boca, o tema central é quase dostoievskiano, e às vezes me sinto no
meio da luta travada na consciência de Raskónikov, de Crime e castigo, quando
vejo Nina e Carminha, duas personagens geniais, em suas constantes maquinações.
Ambas, uma totalmente ciosa, perseguindo um desejo de vingança, outra,
absolutamente amoral, representam dilemas contemporâneos que podem ser resumidos
na expressão banal: Os fins justificam os meios? É justo se vingar, e até
assassinar alguém que foi responsável pela morte de seu pai ou de um ente
querido?
Postado por WM Internet
as 10:01
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